Um filme espetacular
Título: O Juiz
Diretor: David Dobkin
Elenco: Robert Downey Jr, Roberto Duvall e Vera Formiga
Há tempos eu esperava o lançamento do filme de David Dobkin, o Juiz, cuja crítica eu havia lido em sites internacionais. O tema me atraiu de imediato, mas também o elenco poderoso. Eu sou fã de carteirinha do Robert Duvall, que não costuma aceitar roteiros banais e agora me certifiquei porque Robert Downey Jr. é o ator mais bem pago de Hollywood. Grande roteiro estrelado por um elenco extraordinário.
Não é apenas mais uma história envolvendo a Justiça e o Tribunal do Júri, embora não deixe de ser. O drama é entre pai e filho, por um acaso o pai juiz e o filho advogado. Um juiz reto que, por circunstância, ao fim da vida comete um crime de homicídio, pelo qual acaba condenado. Mas o instigante é que é contada a história de vida dos dois homens e assim questões substantivas sobre a existência são postas para reflexão. Ver a vida em retrospectiva, a de cada um, é sempre uma opção de pensar a história do que poderia ter sido se as decisões erradas não tivessem sido tomadas. E também de como enfrentar as questões tendo em vista o que poderia ter sido.
O personagem do Downey, Joseph Palmer, é um advogado brilhante, mas que foi delinquente na juventude e foi o responsável por arruinar a carreira de atleta do irmão, em um acidente de carro irresponsável. O episódio levou à ruptura com o pai. Ele volta à casa, depois de vinte anos, para os funerais da mãe, adorada por todos. Joseph virou advogado especializado em livrar da cana criminosos perigosos.
Já o pai, vivido por Duvall (Hank Palmer), é um juiz inflexível, que sempre buscou fazer justiça de acordo com a lei. O pano de fundo é a Justiça estatal, para mim cada vez mais uma fraude, uma enganação, uma forma de vingança institucional que tem crescido exponencialmente dentro do Estado moderno. Quanto mais o homem-massa clamar por justiça estatal, mais a ele se escravizará. A superlotação das prisões é o teratológico cartão de visita de nossos tempos.
[Não digo que fazer prisioneiros não seja uma necessidade, especialmente para os psicopatas, como esse serial killer de Goiânia, mas a pletora de presos hoje em dia revela a disfunção. O feixe de leis positivas, desconectadas da lei natural, leva a isso. A rigor, no Brasil, como no mundo, o limiar entre a vida decente e a delinquência é tênue e muitas vezes a diferença entre quem está preso e quem não está se dá apenas por circunstância de ser apanhado, ou não. Ou de ter um advogado competente ou não. O sistema de Justiça é uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de cada um de nós e aqui penso nos simples acidentes de trânsito que podem custar a liberdade e os bens de infelizes envolvidos. É por isso que cada vez mais eu admiro a obra de Cervantes, cujo personagem, Dom Quixote, libertou os galeotes, mesmo aqueles condenados pelos maiores crimes. A fala dele, dizendo que Deus não queria que os homens prendessem outros homens, é sublime. Negou as razões de Estado, então nascentes. Todavia, esse é o corolário do superpoder do Estado moderno, a maldição do deus mortal desse mundo, que tem matado paulatinamente a liberdade. Ou as liberdades. A charada está que o Estado moderno deu-se o monopólio da violência e construiu aparatos repressivos de extrema eficácia. Se o homem comum pudesse se defender adequadamente, armado, e se entender direto com os seus contentores no conflito de interesses, não precisaria ser assim. O Estado só deveria ser envolvido em situações limite, como era durante o Império Romano.]
O juiz Palmer condenou a pena branda um delinquente por identifica-lo com o caso do seu filho, na esperança que se emendasse. Logo depois o sujeito assassinou uma menina, a facadas. Ele mesmo lhe aplicou uma pena severa, mas carregou o remorso pelo erro judicial que cometeu. No dia do enterro da mulher ele o encontra e o sujeito lhe disse que vai urinar no túmulo dela, juntamente como o túmulo da menina por ele assassinada. O juiz, paciente terminal de câncer, fica transtornado. Pega o carro e intencionalmente atropela e mata o insolente.
Na narrativa tem momentos memoráveis, um deles quando o juiz está em crise no aparelho digestivo e o filho ouve sua agonia e vai ajudá-lo no banheiro. Junto com vômito, o juiz defeca e suja tudo. O filho o leva para a banheira e dele cuida. Palavras não são instrumentos capazes de descrever a beleza, o realismo e o talento dos dois atores em cena. Emocionante.
Há também humor no filme, cujo diretor está à altura do elenco e do roteiro. O drama tem momentos de riso franco.
A história amorosa de Joseph é também enfocada e pela qual entram os personagens femininos da história. Serve para quebrar a monotonia da narrativa e também para colocar em pauta outra chaga viva de nosso tempo, produto da lei estatal: o problema do divórcio e das relações familiares. Outro fruto de infelicidade e tormento de nosso tempo.
É filme para ser visto muitas vezes.
Mayr Fortuna
Não sabia deste teu lado de crítico de cinema José! Bacana! (y)
João Marafuga
Mais um texto do Dr. Nivaldo Cordeiro de que gostei.
João Marafuga/Portugal
Alexandre M. Seixas
Caro Nivaldo Cordeiro
Bela análise do filme. No entanto, faltou mencionar o título do mesmo!!!
Abraço